quarta-feira, 16 de março de 2022

SOLIDÃO


De repente a vida passa. Leva consigo sua infância, sua juventude, e se tiver sorte de chegar até a velhice. Dos momentos da vida a pior parte é chegar sozinho (se conseguir chegar). Você luta para conquistar sonhos, planos e objetivos. Cria propósitos e expectativas. Ser homem de caráter, constituir família. Casar e gerar filhos. Mas em determinado momento da vida, se tiver sorte, terá na velhice seus filhos para cuidar de ti, ou nas piores das hipóteses, você acorda e a cama é vazia, toma seu café da manhã, sozinho, se arruma e vai trabalhar. Meio dia vai chegar, e não vai ter alguém para te esperar. 

Agora não apenas a cama vazia, você vai perceber a casa completamente vazia, bagunçada, latinhas de refrigerante do último fim de semana no chão junto com a embalagem de uma pizza qualquer. Você chega para almoçar, embora não faz nem tanta questão para almoçar, o silêncio é gritante. A solidão é estarrecedor. Você pega na geladeira qualquer coisa, coloca no prato e direto no microondas. 

A mesa outrora tinha filhos, esposa, recebia amigos, familiares, você fazia até questão de aproveitar um fim de semana e cozinhar para eles. Agora você se ver até sem vontade de se alimentar. Não tem mais criança correndo pra lá e pra cá; não tem mais a TV praticamente ligada 24hs nos desenhos. Não tem choro, não tem reclamação (e tudo isso te fará falta). 

Não tem nada, apenas você ao redor da mesa, com o prato, olhando para as cadeiras vazias e sua mente a perguntar: Por que lutou tanto para constituir família, sonhou tanto em ter um lar e chegar a este ponto?".

Você também vai perceber que a bagunça maior está dentro de você. Sorrir para enganar tolos. Conversar para esconder silêncios. Andar para lá e para cá, para espantar pensamentos. Você sai para trabalhar, o dia parece até ser acolhedor, mas a volta, bem, a volta, é seu martírio. O silêncio grita, explode, machuca, maltrata. Não é só uma cama vazia, não é só uma casa vazia. não é só o vazio do silêncio. 

A vida parece não fazer assim tanto sentido. Você olha para trás e percebe que seu esforço para tudo vivido até ali, de nada valeu. Você não tem mais amores, nem mesmo buscar amores você tem forças. Você não vive nem mesmo de paixões. Aliás, você não vive, você sobrevive. Cada dia é uma luta. 

Dorme com vontade de não acordar. E quando acorda lamenta por ter acordado, ou demora para pegar no sono. É quando a madrugada se torna sua inimiga íntima e aliada para pensamentos, lágrimas, sentimentos e perguntas sem respostas. A bagunça da casa reflete a guerra de seu interior. 

Amou alguém que não foi suficiente. Os filhos parecem não sentir sua falta, por mais que você tenha se dedicado e sacrificado por aquela que era sua família, e vai descobrindo que nenhum sacrifício é suficiente, no final o errado da história é você. Nada parece fazer sentido. Nem a vida, nem as companhias, nem os bens materiais, emocionais, espirituais ou qualquer outra coisa concreta ou abstrata parece fazer sentido, apenas sobrevivemos. 

A vida parece ser ingrata. E de fato é. Você não merecia nada disso, mas a vida se encarregou de merecer as mazelas duras e árduas no lombo de suas costas. Amar parecia ser tão fácil, bom e gostoso. Hoje o amor parece ser utopia, anátema. Aliás, não só o amor. Se colocar os sentimentos dentro de uma máquina e mexer tudo, você vai percebendo que a mistura é indigesta. Você até busca forças, soluções, para vencer, levantar a cabeça, sacudir a poeira, mas a guerra interior te trás à memória que a solidão é uma árdua força, praga, que você vai ser obrigado a carregar, talvez pelo resto de sua vida, isso se conseguir aguentar peso suficiente para até sua velhice, ou se não, vai descobrir que você não está inteiramente só, a solidão se torna algo tão concreto que se torna sua companhia e as perguntas deixam de existir e tudo passa a ser uma casa bagunçada, fora do lugar, poeira, sujeira, insetos e vai se acostumando com a forma e o jeito que ela se encontra. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário